Em entrevista a jornalista Geralda Doca, Rita ressalta papel social da CAIXA e desafios do banco
A presidenta da CAIXA, Rita Serrano, concedeu sua primeira entrevista exclusiva para a jornalista Geralda Doca, publicada nesta terça, 14, no jornal O Globo, onde explica porque os juros altos praticados pelo Banco Central prejudicam a CAIXA. A presidenta ainda falou sobre a importância da função social exercida pelo banco e dos diversos desafios da instituição.
Confira a entrevista na íntegra:
Em que situação a senhora recebeu a Caixa?
Encontramos um banco desestruturado, com sérios problemas em tecnologia, falta de investimentos. Do ponto de vista dos empregados, a gestão pelo medo foi muito forte. Pretendemos mudar essa cultura. A rotatividade de cargos causou um problema sério porque perdemos a continuidade das operações em alguns setores. Muita gente jovem ascendendo na carreira sem preparo. Muita gente foi defenestrada.
Estamos encontrando profissionais muito qualificados que hoje estão como técnicos bancários em agências. Foi uma política terrível na qual o banco perdeu a sua inteligência.
Quais os efeitos práticos da falta de investimento em tecnologia?
Uma das consequências é a lentidão nos sistemas. Com equipamentos completamente obsoletos, você atende mal os clientes porque não tem a agilidade necessária. O sistema pode ficar fora do ar.
Na quarta-feira (da semana passada), por exemplo, o PIX da Caixa ficou fora por uma hora e meia. É inconcebível um banco desse tamanho ter parado seus investimentos em equipamentos e sistemas.
O que será feito nessa área?
Será feita a troca dos equipamentos. Nós encerramos o processo seletivo para quatro vice-presidentes e dentre eles, o de Tecnologia. Estamos em andamento com vários processos licitatórios para a compra de equipamentos. Vamos revisar até março todo o planejamento estratégico do banco.
A Caixa enfrenta problemas de liquidez?
Hoje, o banco não está com problemas de liquidez, mas, como o resultado é menor e a necessidade de investir em algumas áreas é maior, a realidade vai impor limites nas operações. Não podemos esquecer da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que mandou a Caixa devolver R$ 20 bilhões em IHCDs (Instrumento Híbrido de Capital de Dívida) em quatro anos, o que vai restringir um pouco a capacidade de novas operações. Na semana passada, pedi ajuda ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para intermediar o processo junto ao TCU, no sentido de ao menos alongar o prazo por mais sete, oito anos.
Na sua gestão haverá venda de ativos da Caixa?
Não. O objetivo do governo Lula é valorizar o patrimônio público e não vender ativos. O foco do banco é valorizar o conglomerado e trabalhar para que o negócio seja rentável.
Qual será o foco da Caixa?
Habitação continuará sendo o carro-chefe do banco. Vamos focar em micro, pequena e média empresa, porque o grande investidor tem outras opções de mercado.
A Caixa vai ampliar os recursos em habitação?
Hoje temos problemas com as duas principais fontes de recursos, que são a poupança e o FGTS. A poupança perdeu R$ 33 bilhões em janeiro, sendo que R$ 12 bilhões foram na Caixa. O saque do FGTS vem aumentando muito com demissões e a política de saques sucessivos. Se esse cenário de taxas de juros continuar e o país não gerar emprego, vamos ter problemas de funding. Outra saída é usar recursos mais caros, como LCI (um tipo de investimento em renda fixa para o setor imobiliário). Mas no caso da habitação, o financiamento fica caro e inviável.
O consignado para beneficiários do Bolsa Família continua suspenso na Caixa?
Continua suspenso. O governo anunciou nova regra com juros mais baixos e não sei se vamos retomar. Neste momento, estamos avaliando se a operação tem viabilidade econômica com as novas regras.
A senhora é contra essa modalidade de empréstimo?
Não se deve fazer consignado de um benefício social. Esse benefício é para as pessoas se alimentarem, e você não pode endividar essas famílias. A operação foi feita pelo governo anterior com cunho eleitoreiro, e a Caixa entrou de cabeça.
A senhora endossa as críticas ao nível da taxa de juros do BC?
A taxa de juros alta traz um problema ainda maior para a Caixa. A maioria dos bancos ganha dinheiro investindo recursos em tesouraria e não ofertando crédito, eles se protegem. Já a Caixa, por ser um banco social, tem que investir em crédito, a gente vem tendo restrições em algumas operações porque precisa de orçamento para isso. A taxa de juros muito alta penaliza mais a Caixa e os clientes.
O presidente Lula tem ampliado as críticas aos juros e ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. A senhora concorda?
A taxa de juros está muito alta, é uma das mais altas do mundo, e uma das funções nas regras do Banco Central é que haja também um olhar para a geração de emprego.
Não falo com relação ao presidente do BC, mas a política de definição da taxa de juros é algo que precisa ser olhado com mais atenção porque você acaba agudizando a crise econômica.
A senhora vai dar continuidade ao processo de abertura de agências?
Não pretendemos fechar agências, agora, expandir, não.
Pode reabrir o Programa de Demissão Voluntária?
Tudo está sendo estudado, há uma demanda dos empregados por PDV, mas só vamos fazer se a gente puder contratar. Porque temos carência de 7 mil empregados para atender demandas só nas redes.
Haverá indicações políticas na Caixa?
As indicações vão passar por processo seletivo no mercado, os nomes passam pelo comitê de elegibilidade e pelo conselho de administração. Qualquer pessoa que atenda aos critérios pode participar sem problema algum, o processo é aberto. Não vejo problema.
Como estão as investigações contra Pedro Guimarães (ex-presidente da Caixa) por assédio sexual e moral?
Foram concluídas na Caixa e estão com a Justiça.