A presidenta da CAIXA ainda defendeu que os bancos públicos devem participar do desenvolvimento do país. 

43DFC5E1 693A 426A 894E 643E95903BC0Em entrevista concedida ao repórter Guilherme Pimenta, do Valor Econômico, a presidenta da CAIXA, Rita Serrano falou sobre o papel dos bancos públicos na construção de políticas anticíclicas na economia e sobre o papel estratégico das empresas públicas no desenvolvimento do país. Rita também tratou sobre como a redução dos juros por parte do banco pode tornar a CAIXA mais competitiva e afirmou que sua gestão não fará nada que traga prejuízo. A presidenta ainda falou sobre a revisão do Planejamento Estratégico, do Plano de Negócios e da revisão orçamentária, além das mudanças que estão sendo realizadas na equipe de direção. A expectativa do corpo diretivo é que até abril novos paradigmas para a gestão da CAIXA sejam criados.  

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'Nada que dê prejuízo para o banco será feito', diz presidente da Caixa
Segundo Rita Serrano, papel dos bancos públicos é atuar como política anticíclica
Por Guilherme Pimenta — De Brasília

22/02/2023 05h01 Atualizado 22/02/2023

Há quase dois meses no comando da Caixa Econômica Federal, a presidente Rita Serrano tem dito que o banco público deve atuar com papel anticíclico na economia e participar do desenvolvimento do país. Em entrevista ao Valor, ela aprofundou a tese ao defender que uma eventual redução dos juros por parte do banco, assim como foi feito anteriormente em governos petistas, pode ser um modo de competir com outros bancos no sistema financeiro, mas ponderou que sua gestão não fará nada que traga prejuízo. No passado, governos petistas foram criticados por utilizar bancos públicos para forçar queda nos juros no restante do sistema financeiro.

“Dentro de uma política de concorrência e anticíclica, [reduzir juros] é uma possibilidade, mas precisa seguir regras de governança e precificação”, ponderou Serrano, que é crítica do atual patamar da taxa Selic, de 13,75%, definida pelo Banco Central. “A política monetária tem premissas, como gerar empregos [um dos objetivos do BC, previstos na Lei da Autonomia, é fomentar o pleno emprego] e desenvolver o país.” Muitos economistas defendem, por outro lado, que o atual patamar dos juros é necessário para controlar a inflação.

“Os bancos privados deveriam ter um compromisso com o país, investindo no desenvolvimento”

Indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o comando do banco, Serrano afirmou não existir dicotomia entre a atuação social e comercial da Caixa.

A executiva informou que o banco está analisando a regularidade de um empréstimo de R$ 450 milhões concedido pela Caixa à Americanas no final de dezembro, antes de o rombo contábil de R$ 20 bilhões vir à tona. “Em princípio, seguiu os trâmites, mas acho que, por ter sido feita no dia 20 de dezembro, a prudência deveria ser esperar a nova gestão para avaliar.”

A Caixa vai tentar junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) prorrogar a devolução de R$ 20 bilhões ao Tesouro. Previstos para quatro anos, a presidente informou que o banco negocia devolver em oito. Caso o órgão de controle não aceite, disse, haverá comprometimento na oferta de crédito.

Serrano também afirmou que a Caixa não vai operar o consignado no Bolsa Família após as novas regras editadas pelo governo. “Isso tem de ser anulado.”

A Caixa nunca abandonou e não vai abandonar o atacado, mas nossa prioridade é microcrédito, a pequena e a média empresa”
Valor: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os bancos públicos voltarão a ser protagonistas em seu governo. O que mudará na Caixa e o que foi feito no primeiro mês de gestão?

Rita Serrano: O mais relevante e a primeira coisa que vai mudar é que o banco vai se manter público. O desenho que estava colocado no governo anterior era vender todos os ativos, ou abrir capital das subsidiárias, e havia uma discussão de abrir o capital da própria Caixa. Isso não existe mais, empresas públicas voltam a ser valorizadas e utilizadas para o desenvolvimento do país. Somos um banco seguro e vamos nos preparar para atender clientes e população. Até o fim de março, teremos refeito todo o plano estratégico, de negócios e orçamentário. Em abril, teremos um novo banco. No primeiro mês, iniciamos um processo de mudança na direção.

Valor: Todas as vice-presidências serão trocas?

Serrano: Estamos avaliando uma por vez. Há uma movimentação para sete vice-presidências, com processo seletivo para cinco delas. Vamos voltar com a VP de Pessoas. Tudo dentro desse novo cenário.

Valor: Qual cenário?

Serrano: Precisamos arrumar, garantir integridade, acabar com a gestão do medo e voltar a ter olhar sobre as pessoas, que foram abandonadas. É preciso garantir avanço tecnológico para competir com o sistema financeiro. Temos um arcabouço atrasado, pois não houve investimento necessário na última gestão. E garantir excelência nos programas sociais. Uma das medidas tomadas é que todos os beneficiários terão direito a um cartão de débito, para facilitar movimentação de recursos.

Valor: Políticos terão cargos na cúpula do banco?

Serrano: Estamos falando de uma instituição pública. A Caixa, por regra estatutária, tem de abrir processo seletivo para os VPs. Se houver indicação, passará pelo processo, não existe indicação direta. Todos poderão participar do processo.

Valor: Uma eventual mudança na Lei das Estatais, aprovada em 2016 para evitar o uso político das empresas públicas, pode ser boa ou ruim para o banco?

Serrano: Fui uma das que mais combateu a Lei das Estatais. Pensamos só na questão do regramento de cargo, mas o objetivo dela foi facilitar processos de privatização, prevendo na origem que todas abrissem capital. E ela incluiu no seu texto uma série de regramentos de ascensão a cargos. Isso precisa ser aprimorado, é importante ter requisitos e experiências para funções, mas a lei deve valorizar o patrimônio público.

Valor: Como conciliar a atuação comercial e social?

Serrano: Não existe dicotomia. Inclusive os bancos privados deveriam ter um compromisso com o país, investindo no desenvolvimento. No caso de um banco público, como a Caixa, todos os convênios com o governo são remunerados, faz parte do portfólio de produtos do banco, que não faz nenhuma operação gratuitamente. O banco tem demanda muito maior sobre benefícios sociais, isso bancariza a população e fideliza clientes.

Valor: Gestões anteriores dizem o contrário: que o cliente não era fidelizado no banco e, com a ascensão social, ia para o concorrente...

Serrano: É possível manter o cliente. Temos o maior número de contas do país, o que desmistifica essa afirmação. O que falta é fidelizar de forma ampla. Muitas vezes, tem um produto aqui, mas tem conta em outro banco. Vamos implementar uma política mais ampla com as subsidiárias, nas áreas de seguros, cartões e a DTVM.

Valor: O governo anterior queria que a Caixa deixasse de ampliar a concessão de crédito para grandes empresas. Como será a atuação do banco no atacado?

Serrano: A Caixa nunca abandonou e não vai abandonar o atacado, mas nossa prioridade é microcrédito, a pequena e a média empresa, que geram emprego, mas não vamos deixar de atuar nessa área, apesar de não ser a prioridade. A grande empresa tem opção de crédito fora da Caixa, o pequeno e médio empresário já têm opção mais restrita.

Valor: Qual será o papel da Caixa no Desenrola? Vai gerir o fundo?

Serrano: Não vamos ser gestor do fundo, [isso] ficará com o BB. Estaremos junto a outras instituições, atuando no programa. As bases ainda estão em discussão.

Valor: A Caixa vai aderir às novas regras do consignado para o Bolsa Família?

Serrano: Não vai aderir, e essa é uma notícia em primeira-mão. Com as novas regras, a operação não se paga. Além disso, esse produto teve um cunho eleitoral, a Caixa foi o banco que mais ofertou crédito, com R$ 7,6 bilhões. É uma excrescência. Não posso ofertar crédito em um auxílio para uma pessoa se alimentar. Na minha opinião, isso tem de ser anulado.

Valor: A Caixa teme alta da inadimplência com a saída de beneficiários do programa na revisão que o governo fará no cadastro único?

Serrano: Dependendo da revisão do cadastro, haverá alguma inadimplência, mas no cálculo dos juros, isso já foi avaliado.

Valor: Como avalia um perdão da dívida aos beneficiários?

Serrano: Não podemos fazer por aqui. Se houver, deve ser com recursos do Tesouro.

Valor: Há acordo para a prorrogação do prazo de devolução dos R$ 20 bilhões ao Tesouro?

Serrano: Estamos tentando. Em dezembro, o banco aprovou a devolução em quatro anos, coincidentemente com a gestão do novo governo. Tentamos com Fazenda e Tesouro para que eles nos ajudem a sensibilizar o Tribunal de Contas da União (TCU).

Valor: Quais os impactos caso o TCU não aceite prorrogar o prazo?

Serrano: O banco vai diminuir a capacidade de crédito nas operações. Temos uma parcela de R$ 3 bilhões a ser paga em breve, e mesmo que pague, vamos buscar interlocutores e conversar com o TCU para alongar a pelo menos oito anos, ou prazo maior.

Valor: O Tesouro já concordou?

Serrano: Estamos dialogando. Mas quem tem que concordar é o TCU.

Valor: Mas o Tesouro conta com esse montante para o abatimento da dívida...

Serrano: Por outro lado, diminui nossa capacidade de ofertar crédito para o desenvolvimento do país. É com esses argumentos que pretendemos sensibilizar. Devo, não nego, mas vamos negociar os prazos.

Valor: O Tesouro sempre pede, e pediu na gestão anterior, o aumento na distribuição dos dividendos dos bancos públicos, ainda mais em um cenário de déficit fiscal projetado. Há espaço para isso?

Serrano: Não. Temos uma política a limitar a distribuição a 25% do resultado, podendo chegar a 50%, mas a chance de pagar mais é bem pequena.

Valor: A senhora disse que habitação continuará sendo o carro-chefe da Caixa. Qual a projeção para o crescimento da carteira?

Serrano: Temos dois problemas. A Caixa é líder no mercado, com 67%. Uma carteira muito sólida, mas temos problemas de funding. Em janeiro, o mercado perdeu R$ 33 bilhões na poupança, com a Caixa perdendo R$ 12 bilhões, um terço de todo o montante. E esse é um dos principais fundings para o financiamento com juros mais baixos. O outro é o fundo de garantia, mas com os saques sucessivos do FGTS e aumento do mercado informal, há problema com funding. Para manter essa carteira e o market share, vamos precisar de funding. Quais as outras opções? As letras, mas os juros são mais altos. Queremos manter a liderança, é importante para o banco como retorno e é onde gera emprego no país. Na revisão do plano orçamentário, vamos avaliar.

Valor: A Caixa dará foco na Faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida?

Serrano: Sim. Os recursos do Faixa 1 são do governo, e vamos continuar sendo o principal executor do programa. Os empreendimentos que foram entregues na última semana pelo presidente Lula estavam com mais de 96% da obra concluída em 2016. Olha o absurdo. Ficaram parados no governo anterior, e só agora se conseguiu terminar. São 69 obras do MCMV em andamento no país, e 70 obras que foram aprovadas que estão paradas. O custo é alto.

Valor: A senhora disse que a taxa de juros no Brasil está muito alta, penalizando o banco e os clientes. O Banco Central precisa rever a política monetária?

Serrano: É isso mesmo. Com uma taxa de juros alta, uma das mais altas do mundo, você penaliza a Caixa, que é voltada para o desenvolvimento do país, e os clientes. Quando vou ofertar habitação, por exemplo, é mais cara com essa taxa de juros. Com essa taxa de juros, perco o funding de poupança, pois deixa de ser atrativo, e começo a ter problemas para fazer esses investimentos. Entendo que, dentro do BC, a política monetária tem premissas, como gerar empregos e desenvolver o país. É importante ter um olhar para a necessidade do país de reavaliar isso. É uma discussão complexa, mas a dificuldade de crescimento vai estar colocada.

Valor: A Caixa foi acusada de ter sido usada por governos petistas para reduzir os juros, forçando uma baixa no restante do mercado financeiro. A senhora teme pressões para o banco atuar nesse sentido novamente?

Serrano: O papel dos bancos públicos, de fato, é fundamental atuar como política anticíclica. Os bancos públicos têm essa função, de contribuir no sentido da concorrência. A Caixa concorre no mercado e quando tem uma taxa de juros mais baixa, está concorrendo. O banco fez isso no passado dentro de uma política de precificação. De lá pra cá, as exigências e a fiscalização nas operações do banco são maiores, e não me parece que isso esteja colocado neste momento. O banco faz sua precificação e consegue baixar taxa de juros até o nível que vai concorrer ou que a operação se pague. Além disso, não pode fazer. Dentro de uma política de concorrência e anticíclica, é uma possibilidade, mas precisa seguir regras de governança e precificação. Nada que dê prejuízo para o banco será feito, mas dentro de uma política de concorrência, vale a concorrência. Não é isso que os liberais pregam? O mercado?

Valor: O caso Americanas impactou fortemente o balanço dos grandes bancos. Apesar de a Caixa ter a menor exposição em relação aos pares, qual será o impacto?

Serrano: Nosso balanço não fechou ainda. Deve ter impacto no provisionamento, mas como o valor não é tão alto, não é o mesmo impacto que os outros tiveram.

Valor: O banco vai provisionar toda a exposição?

Serrano: Devemos [provisionar] 50%, seguindo o acompanhamento que o BC tem feito, bem como nossa avaliação de risco.

Valor: Chamou atenção de membros da cúpula do banco um empréstimo que a Caixa fez para a Americanas, de R$ 450 milhões, nos últimos dias de dezembro. Isso está sendo investigado?

Serrano: Estamos analisando. Tudo indica que a operação seguiu os ritos operacionais, mas, em todo caso, para não haver dúvida, estamos fazendo uma análise. Em princípio, seguiu os trâmites do banco, mas também acho que, por ter sido feita no dia 20 de dezembro, a prudência deveria ser esperar a nova gestão para avaliar. Independentemente da análise de risco, já que era uma grande operação.

Valor: Como aproximar o banco de Estados e municípios, um pedido de Lula à senhora?

Serrano: É preciso ter espaço dedicado às prefeituras, como existia no passado. A ideia é ter técnicos para orientar os municípios, principalmente os menores, com acompanhamento de obras e execução de projetos.

Valor: A Caixa continuará estruturando PPPs sob sua gestão?

Serrano: Tem vários projetos que terão continuidade. Estamos revisitando tudo, mas essas parcerias são intenção do governo.

Valor: A senhora disse que a cultura do medo acabou na Caixa. O que vai mudar?

Serrano: O banco tem 87 mil empregados, mas acabou com essa área de pessoas. Criou-se uma gestão rotativa de cargos, com gestão do medo, aumentando o adoecimento. A Caixa virou um case quando se fala de assédio sexual e moral. A crise reputacional, com o principal dirigente da instituição, mas não o único... É preciso ter política de acompanhamento e valorização das carreiras. Vamos levantar casos de violência, assédio e racismo.

Valor: As apurações sobre Pedro Guimarães acabaram?

Serrano: As apurações com relação a assédio sexual e moral acabaram e foram encaminhadas. Existem outras apurações sobre outros temas que estão na corregedoria, que não posso falar.

Valor: A senhora impulsionará mulheres a cargos de direção?

Serrano: É a pretensão. Do quadro atual, 45% são mulheres. Entendo que a direção deve retratar isso, essa equidade. Além das mulheres, vamos ter um programa de equidade de raça. Vamos fazer incentivo a mulheres, negros e minorias a participarem de processos seletivos e coibir práticas de discriminação.

Valor: Houve resultados no Caixa para Elas?

Serrano: Ofertou produtos que o banco já tinha, sem novidades, organizando dentro de uma chamada. Temos questões mais pragmáticas. Vamos lançar em março um programa Mulheres de Favela. O Objetivo é escolher mulheres das comunidades que terão capacitação para o empreendedorismo e facilitação para o microcrédito.

Valor: O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, pretende reforçar o FI-FGTS em conversas com a Caixa. Qual deve ser o papel do fundo?

Serrano: Essa decisão é do conselho-curador. Como administradora do fundo, a Caixa deve buscar excelência na operação, com melhor rentabilidade.

Valor: A Caixa tentou ampliar a atuação no agronegócio no passado. Qual será sua política?

Serrano: Deve atuar no agronegócio como atua em outras operações. Crescemos nessa carteira, pretendemos manter esse crescimento, não abrimos mão de nenhuma operação, mas essa expertise é do BB. Foco continuará sendo habitação.

Valor: Os índices de inadimplência estão subindo em todos os bancos. Como a Caixa está observando esse cenário?

Serrano: O balanço não fechou, mas não capturamos nenhuma curva ascendente.

Valor: Mas a Caixa vislumbra esse aumento frente ao cenário macroeconômico?

Serrano: Nossa carteira de crédito tem força na habitação, que é mais segura em relação à inadimplência. Mas entendo que o cenário econômico vai melhorar, pois temos um governo comprometido com essa retomada. Com emprego e investimento, além da revisão dessa política de juros, a tendência é gerar crescimento, renda, com diminuição da inadimplência.